Os Novos Agentes do Jornalismo estão moldando a forma de consumo de notícias
- Jornalismo Politico
- 9 de dez. de 2021
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A digitalização do compartilhamento de informações ocasionou na criação de novos agentes que atuam no jornalismo, remodelando a maneira pela qual se produz notícia. As redes sociais fazem parte do extenso e democrático canal virtual de comunicação que sustenta o novo modelo de ação jornalística. Apesar de sempre ter existido portais noticiosos alternativos, o fenômeno da rede criou um situação diferente. Por meio da acessibilidade a smartphones e devido à concretização da sociedade conectada, novas mídias passaram a surgir. Esse processo exigiu até dos tradicionais grupos de comunicação que mudassem de linguagem a fim de se adaptarem ao novo sistema que não somente encara informação como commodity mas também como munição.
As novas mídias independentes são desvinculadas dos conglomerados e não estão sob influência de grupos políticos ou interesses mercadológicos como a mídia tradicional, mesmo que não estejam completamente livres. Esses novos agentes, por fugirem da burocracia estabelecida pelos grandes escritórios editoriais, se permitem a experimentar um novo tipo de linguagem, mais engajada e acessível, com poucos termos rebuscados e menos empolada, com o intuito de informar o leitor através de um prisma ideológico bem definido, diferentemente da mídia tradicional.
Sendo assim, a maior novidade trazida pela mídia que foge da tradicionalidade é a maneira alternativa e mais crítica de análise dos fatos noticiados. Além disso, a pluralidade de informações trazidas por esses novos agentes é uma característica distinta da velha cartilha midiática. Os veículos independentes são mais livres para definir a própria pauta, bem como abordar o assunto. Dessa maneira, é comum ver aspectos da mídia comunitária dentro desses meios de comunicação, principalmente nos que têm o engajamento social mais ativo.
Segundo o jornalista Ruben Berta, repórter do UOL, um dos aspectos mais importantes do jornalismo independente é a possibilidade de trabalhar com reportagens investigativas mais densas que dentro da grande imprensa tem um espaço mais comprimido. “Dentro da mídia tradicional, precisa ser uma cobertura muito focada no hard news, que não tem muito tempo para reportagens que ultrapassem determinado tempo de duração. O trabalho de massa fica voltado para as hard news”. Portanto, esse contexto é favorável para a criação e atuação dos novos agentes jornalísiticos que propõem uma investigação mais longa e profunda que não necessariamente está ligada ao acontecimento do dia. No entanto, o fator que limita os veículos de comunicação a reproduzirem esse modo de reportagem é financeiro pois são poucos aqueles que conseguem sustentar a médio-longo prazo esse trabalho. Uma das matérias mais ilustres que reafirmam a importância desse tipo de investigação é “O Cara da Casa de Vidro”, do jornal The Intercept, que através de grampos telefônicos conseguiram informações que sugerem ligações entre o grupo de Adriano da Nóbrega, até então chefe da milícia do Escritório do Crime, e o Presidente da República Jair Bolsonaro.
De fato, a apresentação transparente de seu posicionamento político só é possível pela menor influência do capital privado na tomada de decisões de pauta. Os interesses mercadológicos limitam os escritórios, que têm que conciliar o jornalismo com o que acionistas e anunciantes almejam. Assim, os tradicionais veículos assumem que têm uma posição neutra e objetiva quando, na realidade, seguem uma cartilha definida por reuniões de portas fechadas. De acordo com Leandro Demori, editor-executivo do site The Intercept, a liberdade de cobrir temas relacionados a corporações e ao poder privado só é possível pela independência financeira desses grupos.
No entanto, a linguagem pontiaguda impacta na formação do público da editoria que coleciona também, por diversas vezes, adversários politicos e rejeição por parte de um determinado segmento de leitores. Em novembro de 2020, a jornalista freelancer Schirlei Alves recebeu ataques on-line após ter revelado o caso da influencer Mariana Ferrer, humilhada durante audiência sobre acusação de estupro. Em julho de 2019, após a publicação de uma série de reportagens acerca das irregularidades ocorridas durante a operação Lava Jato, Glenn Greenwald, cofundador do The Intercept sofreu insultos e ameaças de morte. Em ambos os casos, os ataques vieram de simpatizantes do governo Bolsonaro, o que escancara as consequências de ter um posicionamento mais evidente no contexto político brasileiro. Essas ocorrências abrem espaço para o debate de liberdade de expressão no país uma vez que, após 36 anos do fim da ditadura militar, jornalistas corram risco de vida por lutarem pela verdade.
Contudo, a descentralização da produção de notícias e informações é um fato que faz o Artigo 220 da Constituição Federal de 1988 ser contemplado e gozado pelos cidadãos. O fim, ou pelo menos, a contestação do monopólio dos grandes conglomerados de comunicação, os quais todo brasileiro sabe os nomes das famílias por trás desses de cor e salteado, representa a soberania popular e a confirmação do consumidor de que não há somente um único prisma pelo qual ser olhado. A pluralidade de conteúdo e as reportagens mais densas, oferecidas pelo formato independente, se tornam novas modalidades a serem exploradas pelo leitor, que se sente atraído pela novidade.
No entanto, há uma contraposição no processo de digitalização das informações e da adaptação jornalística para as redes sociais. Os veículos independentes se tornam mais dinâmicos e a forma de fazer jornalismo, por não estar concentrada nas mãos dos velhos grupos, fica mais fácil de ser reproduzida.
Assim, com inúmeros blogs, sites e páginas, a seriedade dos novos agentes é questionada, principalmente após a massificação e difusão de Fake News, acentuada nas eleições de 2018. De acordo com os dados de uma pesquisa realizada pelo Fantástico, cerca de 70% dos brasileiros já acreditou em alguma Fake News. Isso reflete a falta de educação e preparo que a população tem em não só absorver e filtrar uma notícia, mas também em compartilhar. Porém, a própria iniciativa independente cria mecanismos para solucionar tal problema. Sites como Sleeping Giants e Agência Lupa tratam de fazer o fact-checking de notícias, redes sociais e discursos proferidos por politicos, com o objetivo de fazer com que a verdade prevaleça. Inclusive, para atingir sua meta, a Lupa criou a “Lupaeducação”, que trabalha na educação de cidadãos para que se tornem capacitados em técnicas de checagem. As agências, que se comprometem com a veracidade, também são alvos de mensagens de ódio e seus integrantes são ameaçados de vida, o que evidencia a efetividade do processo que defendem e sua importância política.
Mas, num cenário geral, o maior prejuízo vai para o grupo que deseja tomar iniciativa na criação de um novo veículo noticioso. Pra quem quer construir um projeto novo, acaba sendo mais difícil construir sua credibilidade, mesmo pra quem já é jornalista de longa data. O convencimento do público não é tão fácil quanto antes, uma vez que, por mais que se tenha mais opções de mídias, boa parte delas acaba não sendo de confiança. Então, o jornalista independente tem o desafio de se apresentar ao leitor e criar uma relação que garanta seu compromisso com a verdade. Porém, não deve-se partir do princípio que o problema de Fake News seja fruto da democratização do fazer jornalístico. A produção e o consumo de informação são direitos do cidadão.
No o cenário eleitoral de 2022, será possível observar a diferença entre os métodos de cobertura dos grandes veículos e das mídias independentes. A mídia tradicional, com sua capilaridade extensa de repórteres, seguirá cobrindo o dia a dia eleitoral, cuidando da rotina mais massiva. Dessa maneira, debates, campanhas, eventualmente matérias especiais pontuais serão as principais produções jornalísticas do ano eleitoral. Já a mídia independente seguirá sua linha investigativa, com coberturas investigativas de médio-longo prazo, justamente pela falta de fôlego e pessoal para o cotidiano eleitoral.
Espera-se ver da mídia corporativa a defesa da terceira via que, pelo que parece, só vai ser anunciada em 2022, uma vez que não há nenhuma forte especulação. A candidatura de Lula não foi confirmada pelo ex-presidente mas tem grande clamor pelos setores progressistas da sociedade que vai ter no jornalismo independente de esquerda um trabalho forte de propaganda. É importante salientar o dever da grande mídia de reestabelecer a confiança no jornalismo que sofreu tanto ataque durante esses 3 últimos anos. Outro ponto crucial é entender que a eleição de 2018 foi definida a partir da internet. Isso é explicado pela articulação do Bolsonaro com pequenos núcleos independentes e pelas compras de disparos de mensagens em massa.
As agências de checagem de fatos já estão se preparando para desmentir as informações falsas e, como é no caso da Lupa, já estão educando leitores a questionarem e conferir a veracidade da informação antes de compartilhá-la. O fenômeno das Fake News em 2018 escancarou a falta de educação do brasileiro que ainda não tem a capacidade de gozar plenamente das mídias sem cair em mentiras e irrealidades. Segundo Rafael Vilela, fotojornalista e co-fundador da Mídia Ninja, “com todos consumindo e produzindo mídia, por que as escolas não estão ensinando a identificar uma notícia falsa? Ou a ler o noticiário? Ou a produzir notícia? O jornalismo acima de tudo é um direito, não é exclusividade daqueles que foram fazer jornalismo na faculdade”. Nesse sentido, Rafael critica o buraco na formação cidadã, que não permite que o indivíduo entenda os princípios éticos de compartilhar informação no Whatsapp, por exemplo. “Quando que os tios e as tias do Whatsapp foram instruídas a checar informação ou verificar fonte? São ferramentas que o jornalismo detém conhecimento mas que deviam ser ferramentas cidadãs. Essa é uma forma de pensar a descentralização midiática de maneira propositiva”.
O ano de 2022 será marcante na história do país por inúmeros motivos. A cobertura midiática será muito mais do que apenas a reprodução factual dos eventos. Posteriormente, será registro de nossa época, material de análise e estudo. Esperamos, portanto, que seja o ano em que o jornalismo sério e honesto vença as mentiras e armadilhas dos tempos de ignorância e obscurantismo político que vivemos.
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