Por trás da cobertura: jornalistas revelam os bastidores do Poder Judiciário
- Maria Clara Durante
- 9 de dez. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 14 de fev. de 2022
Reportagem: Maria Clara Durante

Jornalistas responsáveis pela cobertura do Poder Judiciário revelam as mudanças que presenciaram ao longo dos anos, capazes de promover o mundo jurídico às manchetes dos veículos de comunicação de todo o país. A cobertura jornalística dos Tribunais Superiores foi intensificada após o inquérito do escândalo do “mensalão”, ocorrido no governo Lula, chegar ao Supremo Federal. O STF se tornou o centro das notícias, por comandar o julgamento de políticos que estavam no poder. Esse caso foi um divisor de águas, pois fez com que o interesse público com relação às pautas do Judiciário e às atividades desempenhadas pelos ministros aumentasse, e levou a imprensa a acompanhar esse processo.
Atual colunista do UOL, a jornalista Carolina Brígido foi setorista (repórter que realiza a cobertura de algum setor cotidianamente, de forma sistemática) do Poder Judiciário por 20 anos, no jornal O Globo. Em 2001, quando começou a se debruçar sobre o mundo jurídico, havia pouquíssimos jornalistas que exerciam essa mesma função, pela falta de interesse público e editorial sobre o tema. No início dos anos 2000, não eram divulgadas tantas notícias do Judiciário; no entanto, esse cenário mudou a partir de 2006, quando o inquérito do “mensalão” chegou ao STF e fez com que todo o país voltasse a sua atenção para a Praça dos Três Poderes.
– Eu era recém-formada. Eu não podia ter uma responsabilidade muito grande, e o setor não rendia manchete. Então, eu era tão desimportante quanto o Judiciário jornalisticamente, naquele período. Eu acho que mudou muito a partir de 2006, quando chegou no Supremo o inquérito do mensalão. As atenções todas se voltaram para o Judiciário; as pessoas queriam saber quem eram os ministros, o que eles faziam, como era o funcionamento do Judiciário. Eu acho que aumentou muito a quantidade de processos penais no Supremo e, com isso, aumentaram os processos de interesse público e de interesse nacional no Tribunal – lembra Carolina Brígido.
O fotojornalista André Coelho cobriu o STF intensamente por um mês, durante o julgamento do "mensalão". No terceiro dia de julgamento, André fotografou os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa cochilando durante a sustentação oral do advogado de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT que foi condenado a seis anos de prisão por lavagem de dinheiro. O fotojornalista relata que a exposição dos ministros foi tão grande naquele período, a ponto do STF ter mudado a conduta em relação à permanência dos fotógrafos no plenário. Antes, esses profissionais podiam transitar livremente pelo local que era reservado para eles, sem limite de tempo; mas depois que as restrições foram impostas, André Coelho relata que não conseguia ficar sequer cinco minutos no plenário.
– Tinham muitos repórteres fazendo a cobertura do escândalo do "mensalão". Naquela época, a exposição dos ministros foi tão grande, que isso levou a uma mudança de política em relação à cobertura, principalmente, dos fotógrafos. A gente fez fotos dos ministros que não eram legais para ele, como as dos ministros dormindo no plenário. Então, a equipe de assessores tentam blindar ao máximo essas pessoas de imagens inconvenientes, que possam aparecer. Essa foi uma diferença drástica que aconteceu, porque o tempo era algo que a gente tinha muito a nosso favor – destaca o fotojornalista.
A barreira do “juridiquês”
A linguagem jurídica é uma das principais barreiras da cobertura para muitos repórteres, porque esses profissionais devem realizar a tradução de uma linguagem técnica e própria do Poder Judiciário em vocábulos coloquiais, que sejam acessíveis às pessoas que não têm esse conhecimento. Além de terem que compreender os julgamentos, as decisões judiciais e os acontecimentos próprios desse universo, os jornalistas devem tomar o cuidado de fazer a tradução de forma juridicamente correta para o público, que engloba os operadores do Direito.
Sheila Messerschmidt, que já foi chefe da área de atendimento à imprensa do Superior Tribunal de Justiça, entende que deve haver um esforço por parte dos jornalistas no estudo da linguagem jurídica, de modo a tornar a cobertura mais fácil. De acordo com a assessora, os cursos de qualificação oferecidos pelo STJ têm um importante papel nessa formação.
– O nosso papel é de tradução. Nós (jornalistas) não temos a obrigação de sermos formados em Direito, mas é inerente, até pelos cursos de qualificação que o Tribunal nos oferece, que nós comecemos a estudar o Direito para entendermos do que estamos falando. A gente não conseguiria fazer essa tradução se não dominássemos esse código, mas é um desafio diário – afirma Sheila.
A jornalista Carolina Brígido revela que ainda enfrenta algumas dificuldades relacionadas à linguagem jurídica, mesmo após duas décadas dedicadas à cobertura do Poder Judiciário. Para contornar a situação, relata que precisou fazer uma imersão nos conteúdos judiciais aos quais tinha acesso durante as coberturas jornalísticas.
– Eu nunca estudei Direito. Eu cubro há 20 anos, então tudo o que eu sei foi aprendido lendo processos, entrevistando operadores do Direito e assistindo às sessões de julgamento. Então, até hoje é normal acontecer um julgamento e eu não entender muito bem o que foi decidido e precisar perguntar a alguma fonte para me explicar melhor – reflete.
Carolina Brígido destaca que além da linguagem, a formalidade exacerbada e a discrição característica da maioria dos ministros são particularidades do Judiciário. Ao contrário do que acontece nas outras coberturas jornalísticas, as informações concedidas pelos ministros são “off” (termo jornalístico utilizando quando uma fonte pede para que não sejam publicadas as informações que forneceu ao repórter), na maioria das vezes.
– São pessoas extremamente mais formais do que em qualquer outra cobertura jornalística. Se você transita pelo mundo político, você não vai encontrar um formalismo tão grande nas relações interpessoais. É mais difícil você construir uma fonte no meio jurídico do que no meio político, porque no meio político as pessoas querem falar; de modo geral, o juiz clássico não quer dar entrevistas, então você precisa ir além disso. Na cobertura política, quando uma fonte te fala alguma coisa, é uma informação em “on”, que você vai poder publicar. No judiciário, a regra é o “off”. É engraçado isso, porque você ouve o que o ministro está falando e sabe que não pode publicar – analisa a jornalista.
A cobertura do Judiciário durante a pandemia
Durante a pandemia ocasionada pela Covid-19, os julgamentos dos Tribunais Superiores passaram a ser transmitidos por videoconferência com o intuito de proteger as pessoas envolvidas, o que transformou significativamente a atuação da imprensa. Ao mesmo tempo em que a transmissão virtual democratizou o acesso de jornalistas que nunca haviam tido a oportunidade de estar em Brasília com a finalidade de acompanhar os julgamentos presencialmente, impôs uma barreira no contato que ocorria fora do plenário entre a imprensa e os ministros, principalmente os do Supremo.
O repórter André de Souza, que participou da cobertura do julgamento do “mensalão” por um semestre e se dedicou ao Judiciário de 2016 a 2018, conta como os jornalistas poderiam ter acesso aos ministros do STF antes da pandemia. A rotina dos repórteres e o contato com as fontes mudaram completamente após as medidas de combate ao coronavírus terem sido adotados.
– O contato com os ministros acontece de duas formas. Quando tem sessão no plenário, às quartas e quintas-feiras, a gente (os jornalistas) se deslocava até a entrada dos corredores subterrâneos, que é por onde os ministros passavam dos gabinetes para o plenário. A gente tentava falar com eles, tentava arrancar informações. Outro local era na entrada das turmas, às terças-feiras, para tentar falar com eles. A outra forma era tentando falar sozinho, diretamente – lembra André.
Sheila Messerschmidt, assessora de imprensa do Superior Tribunal de Justiça, relata que havia poucos jornalistas que faziam o acompanhamento presencial do STJ antes da pandemia, diferentemente do que ocorria no STF. Esse fato fez com que a cobertura jornalística do Tribunal acontecesse majoritariamente de forma virtual antes mesmo das medidas de restrição serem impostas.
– A nossa capilaridade para fazer a nossa informação chegar aos veículos já era virtual. Então, a gente sempre utilizou muito as ferramentas de interação com os jornalistas, que são atendimentos pelo e-mail, pelo celular corporativo, pelo WhatsApp. Essas ferramentas já existiam, o que a gente teve de fazer foi intensificar isso – expõe Sheila.
O plenário do STJ está sendo estruturado para que as transmissões ao vivo dos julgamentos continuem acontecendo pelo YouTube após a retomada dos trabalhos presenciais, previstos para o dia 1o de fevereiro de 2022. Antes da pandemia, apenas três julgamentos do STJ haviam sido transmitidos virtualmente: de habeas corpus dos ex-presidentes Lula e Michel Temer, bem como dos réus da tragédia ocorrida na Boate Kiss. Sheila comemora a decisão, por entender que a transparência é um grande ganho para a sociedade.
– A gente está falando de algo importantíssimo para o jornalista que cobre Judiciário, que é o acesso à informação. E é um ganho imenso para a sociedade, porque um dos pés que a gente quer que seja cada vez mais firme é a transparência. Afinal de contas, a gente quer que o que é de interesse público chegue nas pessoas, e não só na imprensa – afirma a assessora.
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